quinta-feira, 10 de maio de 2007

Brasil presencia conflito de estilos entre Bento XVI e João Paulo II


Bastaram poucas horas em solo brasileiro para que ficasse clara a diferença de estilos entre Bento XVI e seu predecessor e grande amigo, João Paulo II. Das palavras iniciais ainda no aeroporto à linguagem corporal, o pontífice alemão revelou uma forma própria de encarar o ofício papal - e de defender princípios que tanto ele quanto seu antecessor defendiam.

O exemplo mais claro foi a alusão, logo no discurso de chegada ao lado do presidente Lula, à defesa da vida humana "desde a concepção até seu natural declínio". A menção marca mais uma vez a oposição frontal do Vaticano ao aborto, à pesquisa com embriões e à eutanásia. Por outro lado, em sua última visita ao Brasil, em outubro de 1997, João Paulo II fez uma saudação muito mais curta, centrando seu discurso nos desafios sociais que o país enfrentava, como a desigualdade e a reforma agrária, e louvando a contribuição dos povos indígenas e dos descendentes de africanos ao povo brasileiro.

João Paulo II era um opositor tão ferrenho do aborto quanto Bento XVI, e boa parte do seu pontificado se dedicou a atacar o que ele chamava de "cultura da morte". O atual Papa, porém, parece ter adequado o teor de sua fala à situação dos últimos tempos na América Latina. Durante a viagem para o Brasil, por exemplo, durante uma entrevista coletiva realizada no avião, Bento XVI declarou que apoiava a ameaça de excomunhão, feita por bispos do México, a parlamentares favoráveis à liberação do aborto.

Mais tarde, seu porta-voz, Federico Lombardi, declarou aos jornalistas no avião que o Papa não tinha excomungado os políticos mexicanos com a declaração, mas teria apenas apoiado a posição do episcopado mexicano. Mesmo assim, o rigor da mensagem papal sobre o tema ficou evidente.

Juventude e maturidade

Os contrastes entre João Paulo II e Bento XVI também são o resultado natural de temperamentos e fases da vida diferentes. Enquanto o Papa alemão sempre foi principalmente um acadêmico e professor universitário, João Paulo II era um atleta, que costumava manobrar seu caiaque pelos rios da Polônia quando padre e, mesmo eleito pontífice, costumava escalar montanhas e esquiar nas férias.

Além disso, João Paulo II fez sua primeira visita ao Brasil em 1980, com apenas 60 anos, enquanto seu sucessor já completou 80 anos. Isso ajuda a explicar a energia do Papa anterior ao percorrer 23 cidades naquela primeira vinda, bem como seu famoso gesto de ajoelhar e beijar o chão do país visitado. De quebra, o Papa polonês tinha treinamento de ator, atividade que exerceu quando jovem. Mais contido, Bento XVI limitou-se a estender ambas as mãos para cumprimentar Lula. Também mostrou seu lado intelectual ao se referir aos católicos do país como "a Igreja que está no Brasil", um jeito de falar típico dos textos do Novo Testamento.

Se a referência velada ao aborto mostrou sua disposição para defender a posição da Igreja, é bom lembrar que João Paulo II também podia ser um bocado duro. Em suas visitas à Polônia, seu país natal, durante os anos 1990, o Papa anterior deixou como imagem marcante as lágrimas de desgosto escorrendo de sua face, quando ele condenou os poloneses por abraçarem o consumismo e o materialismo após escaparem do regime comunista.

O discurso de Bento XVI, por outro lado, também parece trazer sinais de paz para com os setores da Igreja brasileira que priorizam a luta por justiça social. O Papa disse que a Igreja deve estar a serviço da solidariedade, em especial em relação "aos pobres e desamparados", e citou a importância das culturas indígenas para a América Latina. São todos temas caros à teologia da libertação, corrente de pensamento que esteve em conflito com Ratzinger quando ele ainda era cardeal.

G1

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Bastaram poucas horas em solo brasileiro para que ficasse clara a diferença de estilos entre Bento XVI e seu predecessor e grande amigo, João Paulo II. Das palavras iniciais ainda no aeroporto à linguagem corporal, o pontífice alemão revelou uma forma própria de encarar o ofício papal - e de defender princípios que tanto ele quanto seu antecessor defendiam.

O exemplo mais claro foi a alusão, logo no discurso de chegada ao lado do presidente Lula, à defesa da vida humana "desde a concepção até seu natural declínio". A menção marca mais uma vez a oposição frontal do Vaticano ao aborto, à pesquisa com embriões e à eutanásia. Por outro lado, em sua última visita ao Brasil, em outubro de 1997, João Paulo II fez uma saudação muito mais curta, centrando seu discurso nos desafios sociais que o país enfrentava, como a desigualdade e a reforma agrária, e louvando a contribuição dos povos indígenas e dos descendentes de africanos ao povo brasileiro.

João Paulo II era um opositor tão ferrenho do aborto quanto Bento XVI, e boa parte do seu pontificado se dedicou a atacar o que ele chamava de "cultura da morte". O atual Papa, porém, parece ter adequado o teor de sua fala à situação dos últimos tempos na América Latina. Durante a viagem para o Brasil, por exemplo, durante uma entrevista coletiva realizada no avião, Bento XVI declarou que apoiava a ameaça de excomunhão, feita por bispos do México, a parlamentares favoráveis à liberação do aborto.

Mais tarde, seu porta-voz, Federico Lombardi, declarou aos jornalistas no avião que o Papa não tinha excomungado os políticos mexicanos com a declaração, mas teria apenas apoiado a posição do episcopado mexicano. Mesmo assim, o rigor da mensagem papal sobre o tema ficou evidente.

Juventude e maturidade

Os contrastes entre João Paulo II e Bento XVI também são o resultado natural de temperamentos e fases da vida diferentes. Enquanto o Papa alemão sempre foi principalmente um acadêmico e professor universitário, João Paulo II era um atleta, que costumava manobrar seu caiaque pelos rios da Polônia quando padre e, mesmo eleito pontífice, costumava escalar montanhas e esquiar nas férias.

Além disso, João Paulo II fez sua primeira visita ao Brasil em 1980, com apenas 60 anos, enquanto seu sucessor já completou 80 anos. Isso ajuda a explicar a energia do Papa anterior ao percorrer 23 cidades naquela primeira vinda, bem como seu famoso gesto de ajoelhar e beijar o chão do país visitado. De quebra, o Papa polonês tinha treinamento de ator, atividade que exerceu quando jovem. Mais contido, Bento XVI limitou-se a estender ambas as mãos para cumprimentar Lula. Também mostrou seu lado intelectual ao se referir aos católicos do país como "a Igreja que está no Brasil", um jeito de falar típico dos textos do Novo Testamento.

Se a referência velada ao aborto mostrou sua disposição para defender a posição da Igreja, é bom lembrar que João Paulo II também podia ser um bocado duro. Em suas visitas à Polônia, seu país natal, durante os anos 1990, o Papa anterior deixou como imagem marcante as lágrimas de desgosto escorrendo de sua face, quando ele condenou os poloneses por abraçarem o consumismo e o materialismo após escaparem do regime comunista.

O discurso de Bento XVI, por outro lado, também parece trazer sinais de paz para com os setores da Igreja brasileira que priorizam a luta por justiça social. O Papa disse que a Igreja deve estar a serviço da solidariedade, em especial em relação "aos pobres e desamparados", e citou a importância das culturas indígenas para a América Latina. São todos temas caros à teologia da libertação, corrente de pensamento que esteve em conflito com Ratzinger quando ele ainda era cardeal.

G1
Postado por Igor Viana Marcadores:

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